Existe um movimento cada vez maior de pessoas, famílias e comunidades que desejam ter um papel activo na transição climática, na implementação de uma sociedade mais justa e pacífica.
E nada como, dentro das possibilidades, dar corpo a esta vontade através do que comemos diariamente.
Independentemente do que cada um escolha para a sua vida actualmente é indefensável afirmar que o consumo de alimentos de origem animal, seja carne, peixe ou derivados lácteos, nomeadamente leite, queijos e iogurtes, seja benéfico para a saúde, o ambiente e, obviamente, para os animais (sejam eles de pecuária, silvestres ou selvagens).


Isto pois os dados são avassaladores quando medimos o impacto da alimentação à base de proteínas animais na destruição da biodiversidade, na ocupação de área agrícola, no consumo de recursos hídricos, no uso de fertilizantes e de combustíveis fósseis, como na impossibilidade
de garantir medidas efectivas de bem-estar animal (se considerarmos uma visão bem estarista da produção animal).


Mas, como temos visto ao longo dos anos, infelizmente, não bastam dados e argumentos científicos para mudar de paradigma. Sobretudo na política. Quando falamos da indústria agroalimentar abordamos um sector muito pouco escrutinado, como desconhecemos o dinheiro que o mesmo envolve. Mas basta olhar para os subsídios, isenções ou ferramentas de condicionamento de consumo que são operacionalizados pelos municípios, pelos Estados Membros e mesmo por programas Europeus, nomeadamente a Política Agrícola Comum (PAC) e o Fundo Europeu para os Assuntos Marinhos, das Pescas e da Aquicultura, para compreendermos as fortes resistências da generalidade deste sector em mudar.
Nesse sentido foi com grande afinco que, junto de outros grupos políticos, consegui travar o avanço de algumas emendas que estavam em negociação no documento final da PAC (aquando da chamada fase de trílogo, ou seja, a negociação final de uma posição entre o Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão Europeia). Falo concretamente da medida 145, apelidada de Veggie Ban, que queria impor que produtos de origem vegetal não pudessem ser designados, entre outras maneiras, de salsichas, hambúrgueres ou mesmo nuggets, e da medida 171 (em certa medida também a emenda 72), que visava bebidas e iogurtes vegetais, e propunha que estes produtos não pudessem ter no seu marketing qualquer menção que os relacionasse com produtos lácteos. Por exemplo nas embalagens tonar-se-ia impossível ter imagens de copos com líquido branco ou mesmo menções como “cremoso”, “amanteigado” ou “alternativa a produtos lácteos”. Esta última implicava mesmo, na sua mais criteriosa interpretação, caso fosse aceite, que alergénios pudessem ser excluídos de menção nas embalagens. Isto porque alguns produtos vegetais são feitos em fábricas de bebidas lácteas e “podem conter vestígios de leite e/ou derivados”. Esta ausência de menção, mesmo que
indirecta, poderia consubstanciar um grave problema de informação ao consumidor e mesmo de saúde pública.

Apesar da tentativa de aprovação destas medidas, e do forte lóbi do sector pecuário, nomeadamente através dos grandes grupos políticos, sejam os Sociais Democratas (PPE), os Socialistas (S&D) e os Liberais (Renew Europe), conseguimos com o contributo de empresas e de indústrias agroalimentares mas sobretudo da sociedade civil, falo dos milhares de activistas e de inúmeras organizações não governamentais de protecção ao consumidor, de defesa do bem-estar animal e ambientais, remover estas três emendas da PAC.

É certo que a PAC é um programa muito aquém das necessidades de transição para um modelo produtivo realmente descarbonizado, que garanta o melhor bem-estar animal possível, que financie a transição para produções mais extensivas, biológicas e locais, que apoie a urgente recuperação da biodiversidade. Por isso é que votei contra o documento final.

Mas convenhamos que seria bastante pior se a emenda 72, 145 e 171 passassem.
Porquê? Pois iria dificultar a informação ao consumir, traria custos acrescidos às empresas que comercializam estes produtos, dificultando em paralelo o crescimento de novos produtos e empresas neste segmento de mercado e forçaria, concomitantemente, o aumento do custo ao
consumidor destes produtos. Em paralelo, traria instabilidade ao sistema alimentar, pois demonstraria que as entidades Europeias seriam insensíveis aos dados científicos e às expectativas dos cidadãos, tal como abrandaria a mudança tão urgente e necessária de produção e consumo de produtos vegetais, locais e ecológicos.
Este é um dos muitos exemplos de como a política importa, como condiciona o dia a dia de todos e de como estas matérias são fundamentais de debater na sociedade. O grande problema é a falta de tempo de muitos cidadãos para tal. Mas este tópico, tão estrutural na nossa sociedade, deixarei para outro artigo.

Sobre o autor

Francisco Guerreiro é eurodeputado pelo grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia (Verdes/ALE) no Parlamento Europeu desde 2019. 

Em Bruxelas, sou membro das Comissões dos Orçamentos e das Pescas e fui primeiro vice-presidente da Comissão da Agricultura e do Desenvolvimento Rural entre Maio de 2019 e Janeiro de 2021.É ainda membro da Comissão Especial de Inquérito sobre o Transporte de Animais Vivos tal como da Delegação para as Relações com a Península da Coreia e do Japão. Para além disso, sou Vice-Presidente do Intergrupo para o bem-estar e conservação dos animais e faço parte do Intergrupo LGBTI, duas causas que me são queridas. Integro, também, a Aliança das Nações Unidas contra a Fome e a Má Nutrição (FAO), no Parlamento Europeu.