Há anos, estar grávida sendo vegana era um desafio tremendo, principalmente pela falta de actualização dos profissionais de saúde que resistiam muito à ideia do veganismo durante a gravidez, aleitamento e desde a primeira infância à vida adulta.

Com o avançar dos anos e dos estudos que têm crescido e melhorado muito, temos hoje acesso a informação que nos mostra claramente não haver qualquer perda ou dano pela alimentação vegetariana (e modo de vida vegano) na vida de uma mulher grávida, nem na 1ª infância.

Percebemos que há uma crescente onda de doenças na gravidez (como a diabetes e pré-eclâmpsia) que não têm qualquer relação com as filosofias alimentares, mas por outros factores incluindo a qualidade (ou falta de qualidade) da alimentação ao longo da vida.

Existe em simultâneo uma onda crescente de suplementação em pessoas não-veganas, não se compreendendo o debate sobre suplementação em mulheres veganas, não só porque há alimentos reforçados (como bebidas vegetais, por exemplo) como também pelo facto da B12 (a tão falada B12) nos não-veganos também encontrar a sua origem na suplementação através dos animais que são ingeridos - suplementação essa, de qualidade duvidosa e que traz questões relativamente à sua absorção por humanos, o que impacta no número brutal de pessoas não-veganas com carência desta vitamina.

O número de grávidas referenciadas para nutricionistas tem sido expressivo, mostrando que não falamos aqui de uma filosofia mas sim de uma literacia sobre alimentação de qualidade no geral. A alimentação vegana pode -quando feita com informação e consciência- ser tão ou mais completa, do que a alimentação não-vegana.

Havendo uma gravidez saudável, vigiada e estando a família esclarecida sobre os benefícios da amamentação, uma mãe bem nutrida que vá amamentar passará tudo o que o bebé necessita através do leite materno, Relembro que a B12 poderá ser suplementada de forma consciente e de qualidade em toda a população vegana e  não-vegana .

As carências alimentares não são exclusivas de uma filosofia (como o veganismo), mas sim pela fraca qualidade da alimentação praticada pela família. Os tempos modernos mostram-nos bem os graves problemas relacionados à alimentação processada e rica em açúcares, o excesso de proteína animal, e do aumento de casos de intolerância à proteína do leite de vaca desde a primeira infância.

 Destaco que as populações mais afectadas pelas crises económicas e sociais, são as que pior acesso à alimentação têm, e que mais recorrem a alimentos pobres ao nível nutricional. Portanto assumo que antes de apontarmos o veganismo como uma filosofia que coloca em risco a saúde de mulheres grávidas, bebés e crianças, temos que ter a coragem política de falar sobre assimetrias sociais - assimetrias essas também muito apontadas por activistas veganos, que são contra todo o tipo de exploração: animal ou humana.

Mais facilmente está em risco uma mulher vítima de vários tipos de violências sistémicas na nossa sociedade, do que uma mulher que tem o privilégio de escolher o tipo de alimentação que decide seguir: tendo o tempo para reflectir, o tempo para organizar e preparar a transição de forma informada para evitar carências. Temos um manual gratuito da DGS sobre alimentação vegetariana para a primeira infância, mas temos também que ter em consciência que as famílias com graves problemas socioeconómicos, não têm sequer o tempo ou a disponibilidade mental para estudar estes documentos - isto, partindo do pressuposto que têm acesso a um computador com internet.

Custa-me, enquanto mulher, mãe, feminista e activista vegana, perceber o quanto se destrói uma filosofia, agilizando meios e investimento para combater o veganismo, em vez de investir esse esforço e dinheiro na erradicação da pobreza e em melhores e mais políticas sociais.

Portanto, o veganismo não será nunca um perigo ou um problema para a mulher e para a família, quando houver acesso à saúde (com profissionais de facto informados sobre o tema), acesso à alimentação a valores acessíveis, penalizando os alimentos de fraca qualidade em detrimento dos alimentos nutricionalmente interessantes. Não será um risco quando não houver campanhas de desinformação, que chegam com maior impacto, à população trabalhadora, extremamente explorada que se mantém na pobreza, não tendo meios, ou o tempo para perceber a veracidade das notícias que circulam, e todos sabemos que as que circulam são as que são mais bem pagas. Por isso, novamente, temos um problema socioeconómico, onde circulam os estudos com mais investimento, mas não necessariamente de qualidade, e assim, com origem em mega empresas que independentemente da ética, procuram disseminar informação falsa com o único objectivo de lucrar.

Concluo que o veganismo não é o "vilão" nesta equação, mas o é a desinformação e a perpetuação de sistemas exploratórios de humanos e não-humanos.

Uma mulher vegana que esteja grávida, carrega em si a esperança de um mundo mais verde, em transição para um mundo sem crueldade, que combate a exploração e a violência, e tem fortes preocupações sociais e económicas.

Poderia aprofundar o quanto o veganismo contribui para um mundo mais sustentável, combate indústrias exploratórias como as pescas (a profissão onde mais morte humana e maior índice de escravatura é verificada), pecuária e agricultura intensiva (para produção de alimento industrial para pecuária), mas vou-me focar na esperança e no futuro.

As mães veganas passam por uma pressão atroz, e um stress desnecessário. A opinião de um profissional de saúde é apenas isso: uma opinião e não ciência ou evidência. O nosso SNS garante o direito à saúde, e esse direito passa por profissionais informados, que possam de forma construtiva facultar apoio à família vegana, nomeadamente no que concerne à amamentação (*1), através de estudos recentes e de qualidade.

Não só a amamentação facilita a alimentação do bebé, como também é gratuita.

Socialmente, faz muito mais sentido a aposta na literacia para a amamentação, do que a oferta de leite artificial, principalmente quando percebemos que o abandono da amamentação tem mais relação com sinais de falta de apoio e falta de informação, do que por opção ou doença.

Vivemos numa Era que  exige uma reflexão global tremenda, em relação; a direitos humanos (será que estão a ser realmente considerados?), sustentabilidade, crueldade animal e humana, sistema económico inviável que parabeniza e recompensa a exploração e crueldade animal e humana (onde o comércio não é de todo fair trade, e onde sangue, sofrimento e violência são mais-valias para commodities).

O veganismo incomoda porque traz à superfície questões que foram muito normalizadas e silenciadas. Trazemos a consciência de combate contra a violência e exploração, para a esfera familiar com bandeiras, com lutas, com campanhas de informação, mas o que realmente ameaça e intimida, são mulheres que trazem no seu ventre a verde esperança de perpetuar esta consciência contra a crueldade, para a esfera familiar.

Assustam as verdes esperanças que educam desde a barriga, para a possibilidade de se fazer uma vida sem crueldade animal e humana. Para a educação contra a violência e para a empatia. Assustam as verdes esperanças que põem em xeque todo um sistema que cresceu assente na exploração sangrenta, sempre com o argumento “é essencial à vida”.

Os veganos mostram que não. As mulheres, os homens, bebés e famílias veganas, mostram que há a via do amor, da empatia e da sustentabilidade, que não necessitam de recorrer à violência e exploração para viver.

Temos hoje mais filhos de famílias veganas a chegar à idade adulta, e é indiscutível que a noção de violência e exploração conduziram a uma procura por mais empatia, mais amor e lutas que abalam as estruturas da nossa sociedade, abrindo o debate para temas que ganham representatividade,  lembrando que a inércia é inimiga da evolução, e quando falamos em evolução, nunca podemos falar em crescimento económico quando a maioria da população é pobre e passa fome.

Falamos em filhos que cresceram compreendendo o que custa um prato de proteína animal, no verdadeiro sentido de custo: exploração de vida animal, exploração de trabalhadores ou trabalho escravo e a exploração do ecossistema e recursos naturais. Os filhos de famílias verde esperanças sabem calcular a água potável gasta, as toneladas de cereais usados, os hectares destruídos, o desmatamento, o trabalho precário e escravo, a poluição atmosférica, de águas pluviais, da terra e os recursos energéticos. Estas crianças que cresceram veganas, e as que hão-de crescer (cada vez mais), vão pôr em xeque todo este sistema que lhes rouba um futuro.

Isto tudo para chegar a estas linhas finais: o mundo está organizado num modelo antagónico à saúde e dignidade, e o veganismo não só é seguro e saudável para a alimentação de bebés e crianças, como também é uma filosofia que permite viabilizar a mudança necessária de todo o sistema, por cada mulher que está de verdes esperanças.

 

A temer, que se tema a miséria,  a exploração,  a pobreza e a fome. O veganismo é amor, e abre caminhos para que os nossos filhos possam quebrar as previsões sobre o futuro negro que nós,  e as gerações anteriores,  lhes criámos. 

Se tiverem dúvidas: perguntem. Se tiverem receios; falem com profissionais de saúde devidamente informados,  peçam o apoio a nutricionistas. Se tiverem amizades veganas; aproveitem!  Os veganos adoram partilhar receitas, experiências e as suas histórias. Para que o futuro dos nossos filhos possa ser regado de verdes esperanças. 

(*1) foco na amamentação porque não existe no mercado nenhum leite de qualidade que garanta as necessidades nutricionais para famílias veganas.

Sobre a autora

Carla Pita Santos é activista vegana e feminista,  mãe de dois lobitos e um gato, sempre que possível uma headbanger activa. Do desporto, à educação perinatal, passando pelos órgãos sociais do OVO Portugal, as olheiras têm sido companheiras à luz azul dos ecrãs. De vez em quando escrevo coisas; rants e reflexões,  na página @doulacarla no instagram.